Sunday, September 20, 2020

Desconstruir os mitos do CHEGA em 17 pontos (Parte 4 - O CHEGA é contra o sistema e defende o povo?)

Desconstruir os mitos do CHEGA em 17 pontos (Parte 4 - O CHEGA é contra o sistema e defende o povo?)



DESCONSTRUIR OS MITOS DO CHEGA EM 17 PONTOS (PARTE 4 - O CHEGA É CONTRA O SISTEMA E DEFENDE O POVO?)

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As primeiras três partes podem ser consultadas aquiaqui e aqui.
1)   14) Os políticos são todos uns privilegiados e uns corruptos. O André Ventura é que está lá a bater-lhes forte. Quando alguém aponta uma crítica generalizada aos políticos, ao estilo “são todos farinha do mesmo saco”, a primeira questão que se deve colocar é “qual é a sua alternativa?”. É que uma posição, legítima, é apontar o comportamento oportunista e corrupto de uma determinada personalidade. Outra é estendê-la a toda a comunidade política eleita. Este argumento é sempre perigoso porque pretende espalhar a lama sobre todos os eleitos e, por extensão, sobre a própria democracia. O corolário do argumento é que precisamos de deitar toda essa tralha fora e eleger o salvador, o chefe, que irá expurgar o sistema de todos os seus podres e males (não soa nada a fascismo, pois não?). Nunca esclarecem por que motivo o chefe e os seus correligionários, uma vez eleitos, não teriam exatamente as mesmas pulsões corruptas de que acusam os outros. No caso de André Ventura e do CHEGA tudo se torna mais irónico porque as ações falam por si. O processo de reconhecimento de assinaturas no Tribunal Constitucional apresentou, num primeiro momento, várias irregularidades. Peixoto Rodrigues, dirigente e mais destacado membro das forças de segurança nas listas do CHEGA, foi aposentado compulsivamente por faltas injustificadas, após já ter estado envolvido num processo judicial por falsificação de passes. Mais importante: após o CHEGA defender no seu programa eleitoral “implementar a obrigatoriedade da exclusividade no exercício do mandato de deputado!” – sim, com ponto de exclamação e tudo – André Ventura, o próprio, acumulou o seu mandato com o lugar de comentador da CMTV e de consultor fiscal da FINPARTNER, consultora ligada a Caiado Guerreiro, esse sim, um real ponto de convergência do grande interesse económico e financeiro português. O mesmo André Ventura que virá depurar o sistema de todos os seus males. Estamos conversados. Igualmente destituída de sentido é a ideia de que os deputados são o pináculo do privilégio da sociedade portuguesa. Um deputado com exclusividade aufere um vencimento total ilíquido de 3994,73€, o que se traduz numa remuneração líquida de cerca de 2350€. É, por certo, um vencimento elevado para o contexto da economia portuguesa mas não é um salário milionário como a extrema-direita gosta de fazer crer. Ninguém enriquece sendo deputado. A verdadeira fonte das fortunas em Portugal está nos rendimentos de capital, em especial os não declarados e colocados em off-shores, nas rendas financeiras e do imobiliário ou nos prémios de gestão das pirâmides das grandes empresas. Não por acaso, o CHEGA, a propósito destas fontes de desigualdade, nada tem a dizer. Pelo contrário, conta até com alguns dos representantes destes interesses como seus financiadores. 
15) O CHEGA é contra o sistema e defende o povo. A ideia de que o CHEGA é contra o sistema é muito veiculada por este partido. Por esse motivo, muitas pessoas afirmam querer votar CHEGA por descontentamento com o sistema. Eis a primeira pergunta que se deve colocar: “Que sistema?”. Uma maioria de pessoas tem em mente o sistema político, fundado em ideias simples de que “os políticos só lá estão para roubar”. Como foi dito acima, as questões a colocar nesse contexto são “qual é a alternativa à democracia?” e “qual é o brilhante processo mental que leva alguém a achar que André Ventura é esse poço de virtude redentora para o sistema, quando mentiu contra a sua intenção de exclusividade, falta com frequência a sessões parlamentares e defende coisas totalmente diferentes hoje do que defendeu na sua tese de doutoramento?”. Mas há pessoas que têm em mente o sistema económico. Como se o CHEGA fosse o real representante das camadas sociais mais desfavorecidas. Aqui, mas uma vez, não poderiam estar mais enganados. Como demonstrou de forma sólida o jornalista Miguel Carvalho nas suas reportagens na revista Visão, o CHEGA é generosamente financiado por grandes empresários que operam em negócios como os do imobiliário, das armas ou da tauromaquia. André Ventura mantém contactos com todos eles e faz almoços de charme a estes setores. Jaime Nogueira Pinto, por seu turno, desfaz-se em contactos entre André Ventura e os empresários com simpatia pela extrema-direita. Mesmo que Miguel Carvalho não tivesse publicado esta reportagem, a constatação de que o CHEGA tem financiamento generoso não deveria ser uma surpresa. Basta verificar a miríade de cartazes e outdoors que o partido tem distribuídos pelo país, quando possui apenas um deputado, com o parco financiamento público correspondente. A fonte de financiamento do CHEGA é a elite empresarial portuguesa. A nata da nata, está a entender? Bem o contrário do povo. E o que motiva este financiamento? Nalguns casos, a razão está associada a interesses setoriais diretos. É o caso do negócio das armas. Embora o tema não seja central no discurso político em Portugal, a liberalização da compra de armas é uma das mais destacadas bandeiras da extrema-direita à escala internacional. O mesmo se pode dizer da tauromaquia, que vê no CHEGA um partido que engrossa as fileiras do conservadorismo de costumes que defende a legitimidade do seu negócio. Mas o problema é mais profundo do que esse. O CHEGA, na verdade, é neste momento o grande partido em que se apostam fichas (e dinheiro, mesmo) para combater aquilo que algumas pessoas consideram a excessiva hegemonia da esquerda. Ciclicamente, a direita atravessa a seguinte contradição interna: “como pode uma área política que defende uma maior concentração de poder, riqueza e rendimento numa minoria alcançar a maioria num sistema de voto universal?”. Ou seja, como é que a direita captura o voto das massas. Em Portugal, historicamente, a resposta foi dada pela influência do conservadorismo religioso em vastas zonas do território nacional. Mas esta influência vem-se esboroando e a direita atravessa há vários anos uma incapacidade de mobilizar massas populares. Falta-lhe povo. Nesse sentido, a extrema-direita surge, através da sua capacidade de mobilizar o ódio e o ressentimento em largos setores da sociedade portuguesa, como esse impulso quantitativo de que a direita precisa. É essa a função do CHEGA. Não é por acaso que o CHEGA nunca traz as questões sociais para o centro da sua proposta política. Não é por acaso que o CHEGA defende a privatização da saúde e da educação. Não é por acaso que o CHEGA é contra a lei de bases da habitação. A função do CHEGA é instigar a luta e o ódio entre os de baixo para manter o poder dos de cima. Votar no CHEGA é ser o idiota útil do sistema.
16) O  PSD está disposto a fazer coligações com o CHEGA. Isso deixa claro que este partido não é tão extremista como dizem. No passado, a direita dita liberal nunca se coibiu de fazer acordos com projetos autoritários sempre que isso se revelou necessário à preservação dos seus interesses. Foi assim, no período entre guerras, em países que veriam o despontar do fascismo com o apoio de uma direita conservadora que antes não se pretendera impor pela força e via com desconfiança a massificação da política. Foi assim em Portugal e em Espanha, mas também em Itália, Áustria e Alemanha. Isso não significa que não haja democratas convictos na direita. Claro que existem. Apenas significa que esses serão uma minoria quando se tornar evidente que a aliança com um projeto autoritário é uma necessidade para concretizar o seu projeto político. Para a direita, o liberalismo é um instrumento de civilidade do qual está disposto a prescindir face a uma séria ameaça à prevalência das suas visões. Rui Rio, Miguel Albuquerque e tantos outros já iniciaram a sua narrativa de normalização do CHEGA, porque perceberam que a aliança da extrema-direita pode ser a única oportunidade de a direita voltar a ter pretensões de governar nos próximos anos. Isso não prova que o CHEGA afinal é moderado. Apenas demonstra que a direita democrática tem no seu seio muitos elementos que estão dispostos a arriscar a democracia e os direitos humanos para concretizar as suas ambições de poder. Como observa Fernando Rosas no seu livro Salazar e os Fascismos, “Nenhum movimento fascista conquistou o poder por si só, fosse por via eleitoral ou pela força. Os fascismos enquanto regime resultam da aliança da direita conservadora fascista com o fascismo plebeu do movimento. (…) os regimes fascistas são fruto de uma dupla fascistização (de “cima para baixo” e de “baixo para cima”)” Fernando Rosas em Salazar e os Fascismos, 2019, Tinta-da-China. 
17) Até posso concordar com tudo, mas vou votar nele porque diz umas verdades. Como sou homem, branco e heterossexual, ninguém me representa. Vou votar CHEGA e tens de me respeitar. Não tens nada a ver com isso. Primeira pergunta que deve fazer de imediato: que verdades? Como ficou claro acima, há pouco mais no discurso de André Ventura do que mentira e dissimulação. A ideia de que que alguém não é representado porque pertence a um grupo maioritário do ponto de vista racial ou de orientação sexual é um mito. Claro que pessoas brancas e heterossexuais podem estar em situações de grande fragilidade económica e social. Defendê-las passa por fazer propostas que reforcem o Estado Social, o combate à precariedade e medidas que mitiguem os efeitos recessivos dos ciclos económicos. Estão a ser representados nesses momentos por quem defende essas propostas. Isso não implica deixar de reconhecer que, determinados grupos minoritários, podem ser objeto de situações de fragilidade provenientes de outros fatores, como a sua cor de pele ou o seu género. Essas fontes desigualdade podem ainda sobrepor-se. Combater uma fonte de exclusão não implica não defender as restantes. Essa ideia é um truque daqueles que convivem bem com a discriminação existente e para quem esta é útil.  
Chegou até este ponto e nada o demoveu? Eis uma forma de terminar a conversa em discurso direto. “O partido em que vais votar tem uma estratégia de instigação ao ódio entre os setores mais frágeis da sociedade para favorecer os interesses daqueles que realmente detêm o poder. Ao votares no CHEGA, não estás a ser anti-sistémico. Estás a ser o idiota útil do sistema. Se estás revoltado com a vida, arranja um espaço de intervenção onde procures mudar a sociedade de modo digno, que não implique a mobilização do ódio em relação ao outro e à democracia. O teu voto tem consequências. Para ti pode ser só um momento de manifestação da tua revolta. Mas para os alvos de ódio do CHEGA representa a criação de um clima de perseguição e assédio intoleráveis em democracia. Os democratas não devem respeito a quem decide utilizar o ódio à diferença e aos valores democráticos como instrumento político. Não têm de ter respeito por quem pretende reabilitar o legado dos fascistas que torturaram e prenderam os seus pais e avós. A democracia é o espaço da tolerância pela diferença, mas apenas dentro do seu perímetro. O fascismo nunca é democrata. Não me sento à mesma mesa daqueles que me querem reprimir e silenciar.”  

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